A "riscalhada" e a importância do garatujar

Uma conversa durante o tempo de atividades e projetos, na área do desenho:
- O M. está a fazer "riscalhada"! - diz a M. (3 anos)
- Não estou nada! - responde o M. (3 anos)
- Estás, olha professora o desenho dele! - reafirma a M.
Aproximei-me e perguntei:
- Então, o que se passa?
- O M. está a fazer riscalhada!
- Ai é, já vou ver...? E tu? O que estás a fazer?
Olha para o seu próprio desenho e responde:
- Riscalhada...
Entretanto o M. tinha começado a chorar por causa desta "acusação"... dirigi-me a ele:
- Então, porque choras M.?
- A M. disse que eu fiz riscalhada...
- E o que é que tu fizeste afinal? Conta lá...
Olha para o desenho e responde: 
- Riscalhada...
- Não faz mal... continuem os dois os vossos desenhos!

Nota: 
"Riscalhada" é um termo que as crianças se habituaram a usar entre elas, para designar rabiscos e garatujas sem intenção representativa. 
Este comportamento não é encorajado pelos adultos, mas espontaneamente continua a surgir... As crianças médias já sabem que é normal as mais pequeninos desenharem "apenas" riscos, tal como eles faziam no ano anterior e que não devem desvalorizar os seus desenhos.

A garatuja é uma fase essencial do desenvolvimento do desenho da criança (entre os 2 e os 4 anos) e, pela sua importância, deve ser encorajada. A forma como as primeiras garatujas forem recebidas pode ter enorme impacto para o seu desenvolvimento, daí a necessidade de se conhecerem algumas fases do desenho infantil. A tendência das garatujas é para seguirem uma ordem bastante previsível. Começam com traços desordenados no papel e, gradualmente, evoluem para desenhos que têm um conteúdo reconhecível pelos adultos.
Segundo Lowenfeld (1977) há 3 fases do desenho infantil, sendo que a primeira delas inclui três etapas:
1 - A garatuja desordenada (1-2 anos):
A criança não tem consciência da relação traço-gesto; muitas vezes, nem olha para o que está a desenhar. Tem prazer em explorar o material, riscando tudo o que vê pela frente. Segura o lápis de várias formas, com as duas mãos ou alternando. Não usa o dedo ou o pulso para controlar o lápis. Faz movimentos de vaivém, vertical ou horizontal e, muitas vezes, o corpo acompanha o movimento. Enquanto  se encontrar na fase da garatuja desordenada, fazer um desenho de algo "real" é inconcebível. Tentar que o faça seria como tentar ensinar um bebé, que apenas balbucia, a pronunciar corretamente as palavras.

2 - A garatuja ordenada (ou controlada) (2 anos):
Mais tarde a criança descobre que existe uma ligação entre os seus movimentos e os traços que faz no papel. Isto pode ocorrer mais ou menos seis meses após ter começado a garatujar. Trata-se de um passo muito importante, pois a criança já descobriu o controle visual sobre os traços que faz. Passa a olhar para o que faz, começa a controlar o tamanho, a forma e a localização do desenho no papel. Descobre que pode variar as cores. Começa a fechar as suas figuras em formas circulares ou espiraladas. Antes deste estádio, estava satisfeita com os movimentos, mas, agora, passou a ligar esses movimentos ao mundo à sua volta. As garatujas tornam-se, então, mais elaboradas e a criança descobrirá, muito entusiasmada, relações entre o que desenhou e alguma coisa em seu meio mas, na verdade, poderá ainda haver escassa relação entre o seu trabalho e a representação visual daquilo a que ela se refere... então começa a dar nome às suas garatujas. Pode dizer: "Esta é a mãe", contudo, no desenho, isso ainda não é reconhecível.

3 - A garatuja identificada (ou nomeada) (2-3 anos):

A criança faz a passagem do movimento sinestésico (motor), ao imaginário, ou seja, representa o objeto concreto através de uma imagem gráfica. Distribui melhor os traços no papel. Anuncia o que vai fazer, descreve o que fez, relaciona o desenho com o que vê ou viu, sendo que o seu significado ainda só é inteligível para ela mesma. Começa a dar forma à figura humana.

A partir daqui inicia-se a fase pré-esquemática (4 a 6 anos) e começam a surgir no desenho da criança diversos elementos reconhecíveis.
Para saber mais sobre a importância da garatuja cliquem aqui e aqui.
Assim podem incentivar melhor os vossos filhos no desenvolvimento da sua expressão gráfica.

Comentários

  1. Gostei da lição.
    Bom fim de semana

    Prof. Anabela
    BLOGando na Escola

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  2. É sempre bom lembrar estas verdades. Tenho a impressão de que as pessoas às vezes se esquecem. Também é verdade que outras vezes se esquecem de dar conta que o desenho deve evoluir e que aprovam qualquer coisa que as crianças façam.

    bj

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  3. Obrigada Anabela, mas não pretendia ser uma "lição"... apenas ajudar os pais a lidarem de forma mais correta com algumas situações ;)

    Obrigada Ofélia, foi isso mesmo, "recordar verdades", gostei da tónica dada ao comentário.

    Bjs para ambas,

    Juca e Sala Fixe

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